Cultura: Histórias das Juninas, Boi-Bumbá e Rainha da Diversidade juntam-se à realidade de seus criadores
A história dos bois-bumbás e das juninas que se apresentaram no 36º Festejo Junino de Marabá, entre os dias 23 de junho e 1º de julho, são entrelaçadas no que diz respeito à perseverança, pois a maioria enfrentou muitas dificuldades, para chegarem às aapresentações.
Um bom exemplo disso é o Boi Aroeira, vencedor em sua categoria após 23 anos sem se apresentar. No início, o boi chamava-se Pingo de Gente, e pertencia ao Projeto do Espaço de Convivência de Crianças e Adolescentes da Prefeitura (Ecom), que acolhia aqueles que trabalhavam na rua. O projeto findou em 1996 e logo depois, Antônio Sebastião de Souza, conhecido como Naldo da Santa Rosa, tomou a frente e o nomeou como Boi-Bumbá Aroeira. O grupo atuou até o ano 2.000 apenas com o boi mirim, quando encerrou as atividades, por falta de recursos financeiros.
O fundador e dono do boi conta que o nome vem da árvore de mesmo nome, que é resistente e difícil de ser derrubada. “Foi Deus que colocou esse nome na nossa frente”, pontua.
As dificuldades vieram e não foi possível continuar, mas Naldo nunca perdeu as esperanças e no ano passado resolveu retornar. “Se não tivéssemos parado em 2.000, nós teríamos uns 32 anos de existência. Paramos por falta de recursos financeiros. Agora corremos atrás novamente, em agosto formamos uma diretoria com 23 pessoas e conseguimos ajuda, reciclamos lixo, pois quem sabe trabalhar com reciclagem faz o que fizemos e conseguimos chegar ao pódio, onde alguns disseram que não íamos chegar, passar do lixo”, argumenta.
Em 17 de outubro começaram os ensaios em um campo de futebol chamado Del Cobra, localizado no bairro Santa Rosa e em dezembro os ensaios mudaram para o espaço do Instituto Fundação Casa da Criança, que foi cedido ao Boi Aroeira. “No começo ensaiávamos duas vezes por semana e cada mês que passava a gente aumentava mais um dia, mais um dia e quando chegou próximo ao festejo, começamos a ensaiar todos os dias, menos aos domingos, porque ficavam todos cansados. Os que não trabalhavam eu não aceitava justificativa, tinham obrigação de participar”.
Naldo é formado em dança contemporânea e dança indígena, cursos que fez por conta da prefeitura há alguns anos. Isso o ajudou na composição da coreografia com o tema “A Nossa Infância nas Ruas”.
“Foi o único boi que trouxe um cenário espetacular para dentro daquela arena. Eu falei para todos que eu ia mudar o Festejo 2023 e Deus nos ouviu e nos abençoou. Eu que fiz os adereços que as meninas carregavam nas costas dentro de três dias. Eu que fiz sozinho, ficava até de madrugada”.
Naldo nunca ficou parado esse tempo em que o boi esteve “adormecido”. Sua paixão pela dança o fez montar uma quadrilha alegórica em 2005 e em 2015 foi coreógrafo de uma quadrilha na Vila Sororó, que ficou em segundo lugar no grupo B.
Rainha da Diversidade
A ganhadora do concurso Rainha da Diversidade, Katherine Bardon, é interpretada pelo operador de tráfego, Cássio Vilhena, que já tem a cultura na veia desde criança, pois sua família tinha uma escola de samba em Belém, onde ele nasceu.
“Vim morar em Marabá em 2019, através de uma oportunidade de emprego e há dois anos me incluí no mundo junino. Eu nasci no mundo cultural porque minha família tem uma escola de samba chamada Grande Família. Já nasci no meio da cultura. A paixão pelo São João veio um tempo depois, entre os meus 14, 15 anos, quando eu vim dançar numa junina antiga que se chamava ‘Mensageiro do Amor’. Eu sempre fui brincante”, relata.
A personagem Katherine Bardon nasceu em 2019, em Parauapebas, no Festival Jeca Tatu. “Foi o segundo concurso em que eu participei e ganhei lá como rainha mix, uma categoria totalmente diferente da Rainha da Diversidade. Foi a primeira vez que eu me travesti. Em 2020 participei também de um concurso online devido à pandemia. Neste, fiquei em terceiro lugar. Em 2022 também participei e fiquei em terceiro. Ano passado eu fiquei em segundo lugar no 35º Festejo Junino de Marabá, e no estadual também. Esse ano ganhei como Rainha da Diversidade aqui em Marabá. Estou muito feliz”, frisa.
Cássio é muito amigo do vencedor do ano passado, Fernando Carvalho, que interpreta a Kadashy. Assim que terminou o São João do ano passado, Cássio e Fernando já começaram a trabalhar em seu próximo personagem. “A gente tem um mês para respirar e logo volta a fazer pesquisas. Essa temática da Geni não é atual, já é antiga em Belém, surgiu em 2010, porém com uma roupagem totalmente diferente. E a gente veio com uma proposta distinta justamente para trazer a causa LGBTQIA+, que é uma coisa tão antiga, mas ao mesmo tempo tão atual”, pontua.
Os figurinos são confeccionados por um estilista de Belém, em quem o artista coloca toda a sua confiança. “Eu sempre falo que tenho um anjo da guarda em Belém que se chama Raul Bahia. Eu falo que preciso de uma proposta X e ele só me pede um tempo, uma semana, para criar. E surge a proposta, a música e o desenho. Para esse último figurino, fui a Belém fazer a prova de traje e estava maravilhoso. A gente investiu pesado, foi atrás de algo diferente, algo que realmente impactasse jurados. E aconteceu”, comemora.
Cássio ressalta que foi muito difícil desde o início. “Eu falo que a gente não vive de cultura, mas eu faço cultura. Eu sou um personagem naquele momento. Eu queria passar a mensagem sobre o mundo LGBTQIA+. Acredito que passei e foi muito positivo. E no momento, no final da minha apresentação, eu me emocionei muito. Eu caí no choro na hora, porque foi muito difícil. É mais ver do que explicar mesmo. É a sensação de um momento”, justifica.
Segundo o operador de tráfego, o momento em que jogam a pedra na Geni, em sua apresentação, não foi ensaiado. A ideia das pedras foi dois dias antes do concurso. Naquele momento em que foi tirado o espartilho é mostrada a diversidade e o respeito que a gente quer atualmente. Porque dependendo da orientação sexual, da bandeira que a gente está carregando, a gente precisa de respeito, acima de tudo”, salienta.
Arretados da Paixão
A vencedora do Grupo B, Arretados da Paixão, da Folha 22, nasceu de um grupo de amigos chamado “Os Panelinhas”, que brincavam nas ruas e resolveram também dançar quadrilha quando dois dos atuais coordenadores deram a ideia.
O coordenador e fundador da junina, Vanderlan Souza, conta que começaram a dançar para valer em 2017.
“Antes da pandemia fomos convidados para participar do festejo na Velha Marabá, mas aí veio a pandemia e tivemos que parar. Participamos apenas por videoconferência. O nosso primeiro ano de competição foi em 2022, quando ficamos em quarto lugar. Não sabíamos muito como era estar lá na arena, mas queríamos fazer algo bacana, organizado. Aí fomos e fizemos bonito, ficamos satisfeitos pelo que os brincantes desempenharam em quadra. Criamos nossa identidade com o público”, garante.
O tema foi baseado em questões de cunho social com o tema “Nós: Resistência, Cultura e Vida”. Esse ano Vanderlan começou a conversar com o grupo bem mais cedo, muito antes da competição. “Perguntei se queriam apenas brincar ou almejavam fazer uma apresentação no nível Grupo A. Eles abraçaram a causa e começamos a trabalhar cedo. Foi linda a apresentação, com uma temática linda, foi uma temática bem impactante, que era difícil de trabalhar, mas graças a Deus deu para todo mundo entender. Nos emocionamos e vimos que o público também estava emocionado. Isso foi gratificante. Impactou não só a gente, como o público em geral”.
Wilton Santos é o noivo da junina e um dos coordenadores da junina. Ele conta como começou a fazer parte da quadrilha.
“Fazíamos a brincadeira na rua e chamávamos as crianças, adolescentes e jovens para envolvê-los e tirá-los da rua. Ano passado resolvemos fazer uma coisa mais séria. Eu estava apenas na coordenação e no apoio e surgiu a necessidade de um destaque. Comecei sendo rei e no final, eu estava sendo noivo junto com a Romênia que já era a noiva e disputamos. Esse ano já ficou certo que seríamos de novo e conseguimos ganhar como melhor casal de noivos e a junina estará ano que vem no grupo A”, revela.
Wilton ajuda na montagem da coreografia junto com Richard Farias e Mariane , o rei da junina, e também faz a “limpeza”, retirando movimentos e colocando outros que se encaixam melhor com o tema trabalhado.
Fuá da Conceição
A Junina Fuá da Conceição foi a grande vencedora do Grupo A, o chamado grupo de elite do festejo, e tem esse nome por causa do seu início na Paróquia Nossa Senhora da Conceição. No ano de 2014, um grupo de jovens do Segue-me montou uma quadrilha junina apenas para brincar. O presidente da junina Anderson Alves explica como surgiu o nome.
“Por causa da brincadeira, surgiu o nome Fuá, porque a gente estava fazendo um “fuá” e era o Fuá da Conceição. Nesses nove anos, a gente foi vendo que a brincadeira estava tomando um corpo diferente, de fato fomos notados pela Secretaria de Cultura que nos convidou em 2015 para fazer parte do certame junino e aqui estamos”, conta.
Desde então, o grupo traz temas que possuem uma mensagem de alegria, que fala de fé e amor, de acordo com Anderson. “Sempre trabalhamos com a emoção, como diz o nosso slogan “somos feitos de emoção” e é essa emoção que queremos passar para o público sempre”.
A junina começou com 16 pares na igreja e ano passado já participou com 18 pares. Com isso, muitos jovens se interessaram em participar e esse ano se apresentaram com 30 pares, ou seja, 60 brincantes. “Olhando hoje fico me perguntando: meu Deus, como conseguimos evoluir 10 anos de uma apresentação para outra? Assusta e ao mesmo tempo é gratificante saber que conseguimos evoluir tanto”.
A junina conta com um coordenador para cada setor como produção, apoio e coreografia, tendo Anderson como fundador, presidente e ainda marcador. “A equipe de apoio faz toda a parte de efeitos especiais, como os estouros, os efeitos com extintor e cenário. Ao todo são 22 pessoas só nessa equipe”, informa.
Ano passado a Junina Fuá da Conceição encantou a arquibancada na Arena Z-30 com o “Circo da Fua”. O tema do circo foi baseado na minha vivência de infância, quando eu ia para aqueles circos menorzinhos, que tocavam música da Xuxa, tinha apresentação de palhaços. O repertório chegou a ser vendido para mais de 25 juninas em todo o Brasil”, ratifica.
Em 2023 com o tema “Parece Mágica: Forró 2000 como nunca se viu”, a junina levou a melhor. “O deste ano foi inspirado na minha adolescência, quando eu vivi justamente essa era de ouro, do forró dos anos 2.000, com a banda Calcinha Preta, Limão com Mel. Quase ninguém tinha DVD, então eu ia para a casa dos meus amigos assistir. Era muito bacana viver nessa época e por isso usei para o tema deste ano”.
Procópio Neto, vice-presidente da junina, é da igreja católica e reforça que um dos projetos dentro da junina é também fazer um trabalho de evangelização. “Desde o início a gente fez um processo de espiritualidade, de encontro da espiritualidade. Em todos os nossos ensaios temos a oração inicial e a oração final. Nesse momento de espiritualidade também trabalhamos a importância do trabalho em equipe, a importância do respeito mútuo, porque são muitos meses de convivência e sempre tem um desgaste e a gente está ali justamente para tentar trazer a harmonia para dentro da junina. O cultural e o religioso podem andar juntos”, comenta.
Procópio destaca ainda que a expectativa do público para o ano que vem é ainda maior e a responsabilidade aumenta. “O público espera uma Fuá mais bela ainda e é isso que a gente espera e vamos fazer o possível e o impossível para entregar o que a nossa torcida merece, o que a nossa juventude merece”, encerra.
Texto: Fabiana Alves
Fotos: Jordão Nunes, Sara Lopes e Sávio Calvo