Mulheres inspiradoras: Cultura, representatividade e coragem marcam legado de Vanda Américo, presidente da FCCM
A série “Mulheres Inspiradoras”, em homenagem à Semana da Mulher”, conta um pouco da trajetória de mulheres que se destacam em diversas áreas de atuação no município. Entre essas personalidades está Vanda Américo, presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM), desde 2017, a convite do prefeito Sebastião Miranda, e uma mulher negra e de origem humilde, que se tornou uma das pessoas mais influentes de Marabá, com histórico de luta social como parlamentar por oito pleitos.
Em uma sociedade como a brasileira, com fortes marcas de racismo e machismo, o caminho para uma mulher preta sempre tem mais obstáculos. Vinda de uma família de nove irmãos, começou a trabalhar cedo, aos 13 anos.
No início, passou por sindicatos, pelo cartório de registros de imóveis – onde teve contato com as tensões fundiárias da região – e, no serviço público, foi visitadora sanitária da Fundação Especial de Saúde Pública (SESP), atuando no posto do São Félix, quando ainda não havia a ponte. Ali, pode acompanhar diversas famílias em situação de vulnerabilidade. Sobre esse período, ela relembra: “Me aproximou demais de lutas, de necessidade, de ir buscar, melhorar a vida das pessoas, de estar muito mais próxima das pessoas. Você passa a ser porta voz, defender aquela comunidade, aquelas pessoas”.
Suas lutas em movimentos sociais e experiências anteriores a moldaram para um momento importante, que veio ao acaso: o convite para ingressar na política. De primeira, foi eleita vereadora, vencendo oito pleitos municipais.
O amor pela cultura de sua cidade, faz Vanda compreender que as diferentes manifestações culturais e artísticas são um bom caminho para crianças e jovens. O gosto pessoal pela música e cultura está impresso em sua trajetória, mas também em seu DNA, por isso aproveita as oportunidades que surgem para contribuir de alguma forma com a cidade. “Eu tinha uma vida social muito intensa por conta de eu gostar de esporte, gostar de cultura, gostava de dançar, gostava de samba, gostava de batuque. Sou amazônida, negra, nascida aqui na Região Norte, nesse pedacinho da Amazônia. Tenho muito orgulho. A oportunidade que eu tiver de fazer, eu vou fazer”, diz.
A trajetória dela a leva a refletir sobre o Dia Internacional da Mulher. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, mas só veio ter algum significado para Vanda quando já era vereadora porque, para ela, essa é uma luta acima de qualquer data, que transcende o tempo.
“Para mim, que venho de uma origem humilde, de mulher preta, para mim, foi uma guerra. Todo dia, para mim, foi o Dia da Mulher, foi dia de eu me afirmar na vida, foi dia de eu fazer enfrentamento. Eu venho fazendo enfrentamento desde menina, brigando na escola para conquistar espaço, no esporte, na vida. Eu estou fazendo o Dia da Mulher a vida inteira”, analisa.
Obviamente que por trás de uma mulher forte, há outras mulheres fortes. Exemplos não faltaram na vida de Vanda Américo, a começar pela mãe Maria Américo dos Santos, conhecida como Mariquinha.
Ela conta que a mãe foi uma figura importante no incentivo aos estudos dos filhos. Graças a isso, todos buscaram uma formação. Vanda Américo optou por cursar administração. Olhando para trás, não tem como não lembrar dessas mulheres que impactaram a vida dela.
“As mulheres que inspiraram minha vida foram minhas tias, minha mãe. Minhas tias sobreviveram, separaram dos maridos lá na década de 1950, onde mulher não separava. Não tinham profissão, não tinham nada, não tinham emprego, foram fazer bolo, vender sabão. Minhas tias foram altamente guerreiras. Minha mãe foi maravilhosa, veio para Marabá numa balsa junto com o pessoal dela do Maranhão, de Carolina. Uma mulher muito corajosa, que tinha o ensino fundamental. Minha mãe sempre se posicionou, como uma grande mulher, uma grande parceira do meu pai. Casou, foi ter filhos, costurar e ajudar a criar os filhos”, pontua.
A influência de mulheres fortes, o enfrentamento de tantos desafios e obstáculos tornaram Vanda uma mulher inspiradora, que ganhou o título em Marabá de “Mulher Coragem”. Durante a trajetória profissional, entre as pautas defendidas por ela está o incentivo à cultura, que não é um ponto fora da curva na biografia de Vanda, pelo contrário, remontam a décadas de dedicação à valorização do que é feito na cidade.
“A cultura entrou naturalmente na minha vida. Somos pretos e já trazemos naturalmente a cultura, o tambor na alma. A gente não sabe nem de onde vem. É nossa ancestralidade que fala mais alto. Está na gente. Isso está em mim, essa alegria de viver, de dançar, de fazer festa”, explica.
Ela teve a própria escola de samba, a “Somos Nós”, e outros blocos de carnaval, bem como criou grandes festas que marcaram e marcam a história da cidade, como o Orla Folia e o Maraluar. Esta última, Vanda criou com um objetivo específico.
“Para mostrar o potencial da nossa praia, das nossas belezas, que essa cidade não era só violência, como o povo pregava. Fizemos um baile na praia para mostrar para o mundo que nós éramos pacíficos, ordeiros, acolhedores e que sabíamos brincar, sabíamos fazer festa, sorrir, alegria, uma coisa colorida e ordeira. Fizemos durante 15 anos. A gente tem uma história de fazer as coisas por essa cidade, fora outras atividades de incentivo ao esporte. Eu sempre fiz isso espontaneamente, voluntariamente”, ressalta.
A trajetória de participação nos diversos movimentos sociais a fizeram ser convidada pelo prefeito Tião Miranda, em 2017, a presidir a Fundação Casa da Cultura (FCCM). À frente da autarquia, foram inaugurados o primeiro museu, o Francisco Coelho, na Marabá Pioneira, e a Praça da Juventude, com vários cursos disponíveis para a população, no KM 07, na Nova Marabá. Além disso, está em construção o parque ambiental na Vila Murumuru e o Cine Teatro na Nova Marabá, que vão ser coordenados pela fundação.
O trabalho de Vanda Américo na FCCM possibilitou uma reestruturação na autarquia, que em 2019 teve inaugurado o Núcleo de Arqueologia, Etnologia e Educação Patrimonial (NAEEP), ampliou a atuação da Escola de Música Maestro Moisés Araújo, em outras 13 extensões com o projeto “Música em todo canto”, a Casinha da Fundação em São Félix, bem como a criação da sala multiuso do Projeto Clube das Mães – Ensinando e Aprendendo, e outros projetos como a curso de Especialização em Patrimônio Espeleológico, e, agora, em Cultura Material e Arqueologia, ambas em parceria com a Universidade de Passo Fundo (UPF), o Sarã – de recuperação das margens das ilhas da região – e o Reviver – de plantio de castanha e outras espécies vegetais na Aldeia Suruí, ambas com apoio do Ministério Público.
Vale ressaltar que foram criadas o Entardecer no Museu, que promove poesia e música, Cantatas de Natal no Museu e na Árvore Gigante, o Giro Cultural com shows e apresentações culturais, a Fundação da Folia que resgata o carnaval tradicional com marchinhas, entre outros.
A atuação de Vanda Américo, seja na fundação ou na Câmara Municipal de Marabá, está intrinsecamente ligada a própria trajetória, pois compreende que é necessário abrir portas para outras mulheres e proporcionar oportunidades para elas ocuparem seus próprios espaços.
“Deus tem me dado saúde para chegar nesta idade, com esse vigor, com essa vontade de fazer e fazer por aqueles que mais precisam e de me posicionar, direcionar, dar oportunidade para essas meninas jovens, que precisam. É a oportunidade que a gente tem que deixar para essa juventude”, destaca.
E quem é a Vanda Américo, por ela mesmo: é resultado de pessoas importantes que fizeram parte de sua vida, algo que enche ela de orgulho.
“Tem gente corajosa na minha história, gente que me ensinou a ser isso que sou hoje e, com muito orgulho, viu?! Tenho muito orgulho mesmo, eu e minha irmãs, as ‘negas empoderadas da Mariquinha’. Ela ensinou isso para a gente. Para a gente ser feliz, a gente tem que ter essa liberdade, de acontecer, de fazer o que quer, de não aceitar imposição, não aceitar tratamento diferenciado, preconceitos. Então, a gente tem um papel muito importante. Para que você seja uma pessoa que tenha postura, com autoestima elevada, você tem que se posicionar”, afirma.
Texto: Ronaldo Palheta
Fotos: Secom