Professor Fora de Série: A educação no campo transformando vidas
A professora Maria das Graças da Silva Cruz, de 56 anos, apresenta em sua história como docente uma forte reflexão. A jovem da zona rural, que sonhou em ser professora para mudar a realidade das crianças do campo, não mudou o foco mesmo com o passar dos anos. Foi só concluir o curso técnico do magistério para dar inicio aos objetivos. Uma carreira que dura 19 anos lecionando na zona rural. Atualmente, a pedagoga trabalha com 46 alunos, na Escola Urbano Cantuário, na região do Brejo do Meio.
A professora Maria das Graças estudou durante a infância na zona rural, no município de Conceição do Araguaia, numa turma multisseriada. E foi ali na convivência da sala de aula que ela decidiu o futuro. O comentário negativo da professora da época sobre o comportamento tímido despertou o desejo de mudança.
“Ela dizia que eu não poderia passar para a 5ª série [6º ano] porque eu era muito tímida, até hoje eu me lembro disso, porém, foi o que me incentivou. Foi aí que eu aprendi. Foi aí que me entendi como professora. Eu via em fotos, as crianças andando no ônibus na zona rural de São Paulo, aí eu dizia pra mim mesma que um dia eu iria andar naquele ônibus com as crianças, na condição de professora. Como eu era a única na turma, na 4ª série [5º ano], porque era uma turma multisseriada, ela me colocava pra ajudar com a tarefa dos colegas”, comenta Maria das Graças.
O primeiro contato com as crianças foi sendo babá, na adolescência. Aos poucos a jovem foi vencendo os desafios, entre eles a timidez. Maria da Graças fez o magistério em Marabá e logo iniciou o trabalho assumindo a primeira turma no Geladinho, com alunos da 2ª série.
“Foi a única turma regular, sempre trabalhei com turmas multisséries até hoje. O meu TCC fiz em cima das classes multisséries. Foi uma experiência maravilhosa porque eu já tinha a docência dentro de mim. Fui pra zona rural, para onde sempre tive o sonho de trabalhar. Sabe, eu tive muita dificuldade financeira na minha vida. Fui criada só pela minha mãe e no meu sentimento eu tinha obrigação de trabalhar no local onde as pessoas precisassem mesmo de mim”, destaca a docente.
Ao lembrar-se das motivações que a levaram a seguir pelos caminhos da Educação como estilo de vida, a professora Graça revela características imprescindíveis de um bom professor, a empatia. Em outras palavras, o amor ao próximo. Um de seus feitos é trabalhar a autoestima e a timidez dos estudantes. Mas a missão se estende em ajudar os alunos de muitas outras formas, como por exemplo, na vida social.
“Eu sempre via aquela carência. Eu cursei a 4ª série (5º ano) em três escolas por não ter opção. Hoje está bem diferente, mas no meu tempo a gente caminhava 10 quilômetros para estudar. Aí eu determinei que eu tinha de fazer algo por alguém e é isso que eu faço pelas minhas crianças com muito prazer. Quando os alunos não conseguem ir ao quadro resolver alguma questão por timidez eu digo a eles: vamos nós dois, conseguiremos!” enfatiza a professora.
Sonho que gerou conquistas
Para oferecer ensino de qualidade aos alunos, Graça disse que se qualificou inclusive, fazendo parte do programa Escola Ativa, do Governo Federal, onde aprendeu desenvolver o ensino em agrupamento. E quando as oportunidades de transferência para a zona urbana surgiram, Graça disse que até tentou, mas o coração falou mais alto e as conquistas chegam a todo o momento.
“Eu já realizei um sonho. Eu fui fundadora da escola a qual trabalho, há 14 anos e hoje estou realizando outro sonho que é a chegada da educação infantil. Até quando falta um material para o aluno eu gosto de colaborar, porque quem tem seus empregos tem um pouco de dificuldade, imagine quem está só com bolsa família. Eu quero ver meus alunos médicos, policiais, como tem muitos incutidos, motoristas e digo a eles que vão olhar por mim”, diz sorridente.
A professora, que é mãe de 5 filhos e avó de quatro netos, se descreve como uma pessoa apaixonada pela vida. Sobre o futuro ela diz que pretende continuar com a missão de transformar vidas.
“Eu acho que em tudo que você vai fazer, sem demagogia, você tem que ter amor e olhar pra aquele próximo com amor no sentido de cuidar mesmo. Muitos alunos dizem que sou uma professora-mãe, e eu não fico chateada com isso, porque eu sou assim. Não é só questão de salário, o que vale nessa vida é amar o próximo. Eu me dedico muito aos meus alunos nesse sentido. O bem que eu quero para os meus filhos e netos, quero para os meus alunos”, afirma.
O largo sorriso da professora ao falar de sua trajetória mostra a satisfação em trabalhar na Educação. “Sou realizada profissionalmente. Não me vejo em outras profissões. E não tenho muita essa história de que professor é desvalorizado. Eu sempre procuro olhar as coisas do lado positivo. E assim vou seguindo minha vida. Quando um aluno aprende a ler comigo, é a maior alegria que tenho, até porque eu foco mais nessa questão da leitura”, conta.
Para essa professora que se dedica a lecionar na zona rural, a Educação tem um significado amplo, na prática. “A Educação ela muda o ser humano. Eu, por exemplo, sobrevivo do meu salário como professora. A minha consciência também mudou. Hoje sou outra pessoa. Lido com muita gente. Gosto muito da convivência com os pais, até porque pra mim não existe muro entre a escola e a família, trago eles para o meu lado para cuidar dos alunos”, conclui a professora.
Ex-alunos da professora
No PA Três Ilhas, zona rural de Marabá os irmãos Thayoran Hyroshi Duarte e João Vitor Neves Lima, ambos de 11 anos estudaram com a professora Graça por três anos consecutivos, 3º, 4º e 5º ano. Assim como a professora, concluíram o ensino fundamental menor numa turma multisseriada. Os meninos só têm boas lembranças da professora que os ajudou a conhecer as letras.
“Eu agradeço muito a professora Graça porque ela me ensinou a ler, a escrever e a respeitar os colegas”, diz Thayoran.
A cena se repete com o pequeno João Vitor que só sabe agradecer os ensinamentos da professora. “Me ajudou a estudar. Ler, escrever e ajudar os alunos”, confirma o menino sobre Maria das Graças, a professora que se dedica aos alunos da zona rural.
João Vitor Thayoran
Texto: Leydiane Silva
Fotos: Aline Nascimento