Professor Fora de Série: Mary Nely Rezende deixa legado na educação após 36 anos
Ser mestra de seus alunos foi uma tarefa prazerosa para Mary Nely Fernandes de Rezende, 51 anos, 36 deles dedicados à Educação. A professora de Língua Portuguesa iniciou a docência, aos 13 anos de idade, no município de Nova Ipixuna. Teve a carteira assinada aos 15 e ingressou na Educação de Marabá há 18 anos. Por onde passou não ficou despercebida. Ela fez histórias pelas escolas em que exerceu a profissão da qual se despede em 2021.
Formada em Letras, com direito a especialização e mestrado na área, a professora Nelinha, se dedicou ao ensino modular, na zona rural do município. Trabalhou nas escolas Rui Barbosa, Joel Pereira Cunha, Tancredo Neves, Antônio Coelho e Alto Bonito, levando esperança e fé aos alunos por meio da educação. Aliás, as palavras “fé, acreditar, motivar, incentivar e estimular” sempre estiveram ligadas a essa docente, comprovadamente, pelas marcas deixadas na caminhada profissional.
“A educação desde sempre é uma fé. É acreditar que é a mola-mestre, só ela é capaz, é a arma que nós temos para mudar nosso país. E isso agora está mais do que presente, a gente precisa desse instrumento, precisamos ser esses mediadores, esses transformadores das pessoas”, analisa a professora.
Nelinha é de uma família totalmente dedicada à educação. A mãe foi diretora de escola e inseriu os irmãos e ela na área educacional. A professora que acompanhou a evolução do mundo reconhece as dificuldades da profissão, mas jamais deixou que os obstáculos impedissem os objetivos do ensino junto aos alunos os quais manteve uma relação de confiança e amizade.
“O professor tem de ser malabarista, tem de ter muito jogo de cintura, tem de buscar muito, ser inovador, ser pesquisador, aprender a aprender, o que é muito complicado nessa nova área on-line. É querer ver o mundo diferente, é querer ver as coisas funcionarem. É acreditar nas pessoas. Eu sempre procurei acreditar nos meus alunos, nunca desisti deles. Então, aquele aluno do qual eu via que tinha mais dificuldade era aquele que eu colocava debaixo do braço. Para mim, não era aquele aluno que às vezes o professor tem até preguiça de ir lá fazer a correção da atividade porque sabe que vai ter muita coisa, que vai dar muito trabalho. Eu posso dizer com orgulho, que eu nunca tive problema com nenhum aluno, porque sempre procurei falar a língua deles” descreve a professora.
Colaborativa e contributiva
Na trajetória docente de Mary Nely, as ações que desenvolveu depõem a favor de um perfil colaborativo não só com os alunos, mas com a comunidade, e principalmente com a gestão escolar. “Tudo que se propunha na escola eu abraçava. Tudo que as diretoras propunham eu entrava de cabeça. Não fazia corpo mole e sempre procurei ajudar”, comenta a professora.
Em seu currículo docente, Nelinha tem inúmeras páginas de ações desenvolvidas junto às escolas e os alunos, as quais produziram bons frutos e são elencadas como conquistas importantes, inclusive, para conhecimento do mundo dos meninos da zona rural.
Dentre os feitos, a professora relembra a participação de uma aluna da escola Tancredo Neves, na seletiva do soletrando em Belém, representando o município.
“Eu fiz uma triagem com eles na escola, fui treinando, montamos um soletrando na escola pra que eles vissem como era. Tudo que iria acontecer em um nível macro, eu fiz em um micro, para que eles se familiarizassem com o soletrando. Então ela ficou no primeiro lugar em Marabá e fomos para Belém”, relembra.
Outro trabalho admirável foi a realização de um projeto de literatura de cordel com alunos da escola Rui Barbosa e Joel Cunha. O trabalho além de acrescentar na aprendizagem dos estudantes ganhou o reconhecimento do município.
“A gente montou livrinhos com xilogravura. Ficou tão bom, que o professor Noé, fez uma noite de cordel na Casa da Cultura, para que a sociedade conhecesse os cordelistas mirins, então saímos de Murumuru com os alunos para a cidade. Eles saíram nos jornais. Isso me engrandece muito, de ver a felicidade deles”, pontua.
E o que falar das olimpíadas de português, com aluna premiada no gênero da crônica. No programa “Escravo, nem pensar” do governo federal teve aluno se destacando com premiação para ilustração de poesia. Por falar em poesia, Nelinha disse que sempre se utilizou desse recurso para trabalhar a realidade dos alunos. O último trabalho na escola Rui Barbosa, foi justamente uma mostra fotográfica que premiou cinco alunos com uma sessão no cinema, após vencerem o concurso de fotos que melhor retratou o cotidiano deles no campo.
“Pedi a um fotografo profissional de Marabá para julgar através do belo, da sensibilidade. Quando ele trouxe o envelope com as fotos selecionadas nem eu sabia quem seria os vencedores, então abrimos na frente da comunidade escolar. O que tirou em primeiro lugar fez a foto da avó dele, na horta comunitária limpando alface. Ele pegou tanto a essência, do cansaço, do trabalho árduo do dia a dia. Esse despertar desse aluno é muito bom para eles”.
Caso motivador
“Eu lembro muito bem que na escola Joel Pereira, uma vez, teve uma gincana esportiva, e eu não estava nesse módulo lá. Mas tinha uma equipe, a verde, que eles estavam desmotivados, não queriam nem participar, porque todos os anos tinha essa gincana e eles haviam perdido em último lugar. Então eu disse para eles que iria liderar a equipe e que iríamos ganhar a gincana. Convidei-os para ir comigo e pronto, eles emplacaram e a equipe verde se tornou campeã. Então é isso, eu buscava levantar o ego dos meus alunos. Nunca deixar eles para baixo e sim levantá-los. Colocá-los em evidência. Queria muito que meus alunos ficassem em evidência para que eles se sentissem importantes. Eu sempre deixava que eles fizessem bem para o ego deles. Que eles fossem aplaudidos, que recebessem elogios”.
Zelo pela profissão
“Nesses 30 anos de jornada era isso que eu buscava, cobrava muito, exigia a perfeição nos meus alunos, a gente sabe que o ler e o escrever não são uma ação só do professor de português, mas de todas as disciplinas. Eu tinha essa preocupação, de corrigir, eu fazia calo nos meus dedos, já operei os meus dois pulsos, por causa de lesão por esforço repetitivo. Justamente por ficar corrigindo, vai e volta. Eu tive esse trabalho e pedia para refazer, corrigir de novo, até ficar plausível, que desse para alguém ver e reconhecer que o aluno tem potencial”, afirma.
Futuro
Com lágrimas nos olhos, emocionada ao falar dos alunos aos quais sempre incentivou ao sucesso e lembrando-se do trabalho que tanto ama, a professora Nelinha faz uma revelação diante da aposentadoria.
“É muito bom falar deles. Eu sei que agora eu estou um pouco fora né. Então você fica num misto de alegria, porque você se aposentou, mas em compensação fica no misto de tristeza, pensando: será que agora vão te esquecer? Você vai ficar no esquecimento. Eu não sei o que me espera. Eu também não tenho mais aquele vigor para fazer tudo o que eu faço. Eu sempre falo que eu não saberia fazer outra coisa, até mesmo porque eu não tive a oportunidade de aprender outra coisa. Hoje além da educação, o que eu acho que poderia ser um hobby, além da educação é a culinária que eu gosto muito. Tenho muita facilidade”, conclui.
Transformando vidas
Rafaela Oliveira Pereira, 30 anos, secretária escolar na escola Rui Barbosa, em Murumuru, tem histórias para contar da professora que ela descreve como marcante em sua vida. Mary Nelly, acompanhou a aluna do 6º ao 9º ano.
“Uma professora tão maravilhosa, nunca desistiu de mim. Sempre criava alternativas para me envolver nas suas aulas de Português. Eu dava muito trabalho, era muito levada, não gostava de participar dos trabalhos em sala, mesmo assim ela saia da sala para me chamar. A disciplina não era tão fácil, mas com o tempo eu passei a amar as aulas dela, não perdia por nada. Ela transformou a pessoa que mais tinha vergonha de explicar na frente em alguém que hoje entende que precisamos perder o medo e encara-los. Os teatros que ela criava na sala, eu amava. Tenho muito orgulho dela muito”, enfatiza a ex-aluna.
Com o passar dos anos, de aluna Rafaela passou a colega de trabalho, após assumir a secretaria da escola onde Nelinha iniciou a docência no município e onde também finalizou o serviço público como professora. Os relatos só reafirmam o currículo da docente.
“Ela merece muito estar gozando desse privilégio de se aposentar. Pelo que conheço, vai ser difícil deixar a sala de aula, pois tinha prazer em exercer sua profissão. É uma professora amada. Com poucos recursos que ela tinha na escola sempre influenciava, sempre queria estar perto dos seus alunos, saber da sua rotina, o que fazia era na intenção de ajuda-los”, conclui.
Texto: Leydiane Silva
Fotos: Paulo Sérgio