Cultura: Félix Evandro Ramos e a arte aliada à geração de emprego e desenvolvimento social
Ao lado da Praça São Félix de Valois, na Travessa São Félix, Marabá Pioneira, há um pequeno espaço, que há 20 anos funciona como marcenaria e ateliê. Apesar de pequeno, o Ateliê Morada do Sol comporta muitas histórias. O local foi criado pelo artista Félix Evandro Ramos Mourão e, além dos itens produzidos, funciona como espécie de oficina para jovens que vivem à margem da sociedade.
Félix nasceu em Marabá no dia 19 de fevereiro de 1968, um sábado de carnaval. E a arte está no sangue. O avô dele, Mestre Olívio, que chegou em Marabá em 1929, foi um dos primeiros carpinteiros navais do município, bastante conhecido na cidade. Félix é casado há 36 anos com Maria do Socorro, mãe dos seus 7 filhos. “Meu nome é Félix, moro na Travessa São Félix, em frente à Paróquia São Félix e sou filho de um Félix. Tudo conspira para eu ser feliz. Moro no melhor local da cidade, no cartão postal, na orla”, comemora.
Mas a história dele começa de verdade há 15 anos, quando Félix quase cometeu suicídio. “Bebi e usei drogas por quase 30 anos da minha vida. Parei com 38 anos de idade. Toda minha vida que eu conhecia antes disso foi usando” comenta.
No dia 11 de setembro de 2006, ele subiu ao alto do prédio que funcionava. “Eu havia trabalhado na construção da orla, recebi o dinheiro e ao invés de ir para casa, gastei todo. Subi, mas tive medo de me matar. Um rapaz me viu e veio falar comigo, me convidou para um programa para largar os vícios, eu relutei, mas acabei aceitando”, confessa.
A partir daí, recuperado, ele transformou o Ateliê nessa oficina para recuperar pessoas que têm problemas com vícios ou comportamentais. Mais de 20 jovens já passaram por lá, atualmente o local conta com 6 trabalhadores. “Vários jovens e homens já passaram por aqui, sempre pessoas que estão à margem da sociedade e que com 2, 3 anos aprendem a profissão e vão tocar a vida. Às vezes montam seu próprio negócio”, conta.
Ao chegar os jovens recebem ferramentas, aprendem a profissão e a terem responsabilidade. “Dou a trena, martelo, esquadro. Como se fosse um kit para ele ter sua autoestima, ter responsabilidade. Guardar sua ferramenta. Quando a pessoa vive à margem, ela não cuida das coisas. Você acolhe, começa a conversar, eles veem que você confia neles. Em pouco tempo você percebe a diferença, começam a parar de fumar, de beber”, destaca.
A relação entre todos é de confiança. Muitas vezes quando se mora longe ou tem dificuldade para chegar ao local de trabalho é emprestada uma bicicleta. “Nós temos várias bicicletas usadas que a gente empresta para o cara que mora longe, e começa a testar também a honestidade. Eles aprendem quanto custa cada coisa, dão valor”, afirma Félix, contando que em alguns casos as pessoas não voltaram, mas é que só confiando que a pessoa muda. “Uma bike usada custa uns 80 reais. Faz falta, mas o efeito da confiança e responsabilidade na vida deles vale o preço”.
Premiação da Lei Aldir Blanc ajudou durante período pandêmico
O trabalho desenvolvido pelo Ateliê Morada do Sol, misturando assistência social com o trabalho artístico, foi premiado no município pela Lei Aldir Blanc, desenvolvida através da Secretaria de Cultura (Secult). O valor de R$10 mil ajudou o grupo a superar as dificuldades enfrentadas pela pandemia.
“Passei na casa deles, para ver como estavam. Notei que todos estavam tendo problemas. Às vezes as próprias mães nos procuravam, falam que estão rebeldes. Quando somem eu também passo lá, para verificar como estão. Com a pandemia, as coisas ficaram difíceis, mas não podia mandar eles embora, estaria mandando de volta para vida que tinham antes. O dinheiro veio em boa hora e pudemos usar”, comenta Félix.
O dinheiro ajudou a comprar álcool em gel, máscara, material, ferramentas, pagar as contas de energia, entre outras. No entanto, Félix ressalta que o teto do local anda apresentando problemas e pede a ajuda para que seja feito o reparo.
A rotina
Todo dia quando acorda, antes de iniciar o trabalho, Félix coloca frutas em alguns pontos da Praça São Félix. “Acordo todo dia 4h30, vejo o sol nascer na orla. Aqui temos um sabiá laranjeira, que vive solto, claro. Coloco umas frutas para os pássaros. Tem um ninho aqui próximo. A gente cuida das pessoas, da alma, dos animais, harmonia da natureza. Ser feliz é isso, estar em paz”, declara.
Ele conta histórias entusiasmadas sobre as árvores, animais e prédios que compõem a rotina e o visual da Marabá. “Santo Gole, Sol e Brasa, Frango Frito, mais recentemente o Bar Araguaia, todos fomos nós que fizemos, que ajudamos a montar”, conta.
Após a mudança de vida, Félix alterou radicalmente sua rotina, além de largar o vício de álcool e drogas, ele hoje não come carne vermelha e também tem uma alimentação mais saudável. “Não me sinto bem em comer carne. O animal ser sacrificado, sofrer. Não gosto de carne evito comer muitas outras coisas também”, comenta.
Ao transitar pelo local de trabalho, percebe-se que sempre há música tocando. “A gente toma café junto, almoça junto, merenda. só trabalhamos ouvindo música. É uma forma de estar unidos, em sociedade. Uma forma de passar um ambiente familiar”, acrescenta Félix.
Cleiton Miranda, 24 anos, está há cinco meses trabalhando no local. Ele conta que sofreu um acidente de motocicleta e ficou muito tempo afastado do serviço, até ganhar a nova oportunidade. “É um ambiente agradável, somos bem tratados, compreendem a gente. Estou feliz de estar aqui”, complementa Cleiton.
Ler é o novo “vício”
Dentre todas as mudanças em sua vida, uma outra merece destaque. Félix virou um leitor compulsivo e já até arriscou escrever seus próprios poemas e contos. “Tenho meu livro, escrevo crônica, poesia, lendas, mas nunca lancei. Brinco até que minha vó era a Porca de Bobs. Tenho alguns escritos, mas não sei se vou lançar. Tento trazer os jovens para isso também”, disse.
Ele conta que o costume de ler veio após o problema com drogas. E que essa se tornou sua nova rotina. “A leitura me transporta para outros locais. Antes, para ir para esses locais, eu tinha que entorpecer minha mente. Começo a ler um livro e me sinto parte daquela história, um personagem daquela história, ajuda na ansiedade, não precisa usar droga, com os livros vou a qualquer lugar”, se emociona. Atualmente, ele está lendo 1889, livro que conta a história do Brasil Império.
Texto e fotos: Osvaldo Henriques