SMSI: Patrulha Maria da Penha já realizou 1.268 atendimentos de violência doméstica
Conheça a história de superação de uma marabaense que sofreu agressões por 20 anos e quase deu cabo da própria vida
Neste Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, (25), a história de uma marabaense, de 39 anos, reflete bem a vida de quem conhece a violência doméstica e familiar na pele, por outro lado, mostra que é possível vencer as próprias limitações e reconstruir a vida rumo a um futuro melhor.
A empresária que vamos identificar pelo prenome fictício de Maria, por 20 anos conviveu com um marido violento, alimentado pelo álcool. Ignorou os sinais durante namoro, os avisos de familiares, e por muito tempo ficou convencida de que o companheiro iria mudar as atitudes, até que um dia cansada da violência e no desespero, atentou contra a própria vida. Quando foi salva, Maria decidiu que era hora de colocar um ponto final na situação e denunciou o homem com quem teve 3 filhos, à polícia. Atualmente a empresária é acompanhada pela Patrulha Maria da Penha, para garantir que o agressor não se aproxime mais dela. Desde então segue a vida com firmeza e convicção.
“Quando somos jovens acreditamos no amor. Aquele príncipe encantado se apresenta, te estuda, e analisa, te promete, ver todas as suas carências e é exatamente em cima disso que ele vai, até a hora que percebe você apaixonada. E é quando ele tira a máscara e mostra as reais intenções”, enfatiza a empresária.
Segundo Maria é preciso ficar atenta aos sinais, frases e pedidos hostis geralmente ignorados quando se está apaixonada. Começa com um: “Não veste essa roupa, se vestir essa saia não vai comigo”; “Não gostei do jeito que se comportou”; “É muito oferecida quando diz bom dia, boa tarde, para os teus amigos”; “Não gosto da tua amiga porque ela é p…”; “Sua família não gosta de mim. Quero que você se afaste, eles não querem a gente juntos”, relata a vítima.
Em certo momento do processo, a empresária ainda chegou a pedir a suspensão da medida protetiva, mas descobriu que o agressor não havia mudado e foi preciso recorrer à justiça novamente. Agora além de lutar pela liberdade e paz, também tem de vencer preconceitos, julgamentos de amigos sobre uma família feliz, que para ela só deixou marcas das quais vem tentando apagar da alma.
“A juventude foi embora, o corpo tem cicatrizes para falar, o coração é quebrado e não tem mais fé no amor. A cabeça, hoje tratando ansiedade, depressão, síndrome de estresse pós-traumático e desenvolvendo síndrome do pânico. Pressão baixa, porque os surtos eram constantes. O álcool aumenta o que já tem dentro deles, porque eles usam uma máscara, nenhum abusador chega te batendo, se fosse assim a gente nem iniciava”, ressalta.
A mulher que durante muitos anos aguentou o sofrimento sem reagir, por amor, por causa dos filhos, respeitando questões religiosas, mantendo padrões e status sociais, agora é forte e determinada a buscar a felicidade, superando os desafios e encorajando outras mulheres.
“O mundo não acabou se ainda há vida. Deus nos dá uma oportunidade a cada novo dia. Aproveitem! A vida é uma dádiva, ninguém tem o direito de te fazer sofrer, de te oprimir vinte e quatro horas por dia. Ninguém merece viver isso, acredita, você consegue. É difícil, mas o abusador não é o ar que você respira, na verdade ele vai te tirar a capacidade de respirar porque ele vai acabar com a sua vida, dos teus filhos. Luta por alguém que você ama, por um propósito, te olha no espelho todos os dias. Você é um ser humano, merecedora de ser amada”, diz a empresária emocionada a mulheres em sofrimento.
Rede de proteção: Patrulhamento atua além do acompanhamento de medidas protetivas
Dia 25 de novembro é celebrado o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher e para compreender a importância da data é preciso conhecer os tipos de violência, em especial relacionada à doméstica, uma das mais frequentes.
A violência contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. São exemplos deste tipo de violência, a agressão física, humilhação, perseguição, ameaças, sexo forçado, impedimento do uso de contraceptivos, indução ao aborto, subtração ou destruição de objetos, difamação e calúnia. O agressor pode ser tanto um homem quanto uma mulher, desde que seja caracterizado um vínculo familiar ou de afetividade.
Em Marabá, as mulheres em situação de violência doméstica contam com um conjunto de entidades, profissionais e instituições no combate, proteção e defesa dos direitos das mulheres, tão logo o fato é denunciado. A Patrulha Maria da Penha faz parte dessa rede. Composta por cinco agentes da Guarda Municipal de Marabá (GMM) e dois policiais militares, atua apenas em casos já judicializados, mediante medida protetiva de urgência da Lei 11.340 – Lei Maria da Penha expedida pelo judiciário.
Desde a criação em 2019, 1.268 atendimentos já foram realizados. Esse ano, a justiça expediu 56 medidas protetivas para o acompanhamento da Patrulha, o aumento da procura de atendimento é em média de 50%, se comparado aos anos anteriores, quando o número foi de 26 e 24 respectivamente. As mulheres denunciaram mais. O atendimento é personalizado, sempre disponibilizando uma policial feminina para atender as mulheres e um masculino para abordar os agressores.
“O trabalho da Patrulha não é só acompanhar as medidas protetivas, mas ajudar no sentido de auxiliar judicialmente, na assistência, conscientizar, orientar e informar, pra que a mulher possa retomar a sua vida. O trabalho é tão acolhedor que em alguns casos elas acabam voltando para o atendimento. Isso porque voltaram com o autor[agressor], pensando que ele iria mudar e acabaram sendo incluídas novamente no programa”, comenta a agente Jacileia Saldanha, coordenação da Patrulha Maria da Penha.
Nesse trabalho, a Patrulha tem parceria com a Defensoria Pública e alunos da Faculdade Carajás, que dão suporte jurídico às vítimas, além de dar auxílio psicológico e assistência através da rede de saúde do município. “Temos uma parceria com a Defensoria Pública que garante que pelo menos uma vaga com prioridade para as mulheres vítimas de violência doméstica. Temos também o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher (Condim), se precisar de consulta psicológica encaminhamos”, comenta Saldanha.
Qual o perfil das vítimas de agressão?
A coordenação da Patrulha Maria da Penha explica que não existe um perfil para mulheres vítimas de violência doméstica, ou seja, não tem idade, cor, raça, nível social. Mas é possível observar a dependência financeira-econômica e emocional muitas das vezes por conta dos filhos.
“É uma questão histórica do homem, perpassa por todas as classes sociais, porque foi aquilo que foi ensinado de geração em geração, se aprende a questão do homem ser superior, e hoje em dia vemos a própria lei criando mecanismos pra nivelar a mulher. Está aumentando a questão da consciência da mulher, ela sabe que tem direitos, proteção. Elar tem de entender que ela não está sozinha, existem instrumentos de proteção pra ela”, pontua Roberto Lemos, inspetor da GMM e coordenador geral da Patrulha.
Importante ressaltar que, em Marabá, o patrulhamento que é desenvolvido não só com as vítimas, mas também com os autores das agressões, tem rendido bons frutos. Uma das metas, por exemplo, é zerar os feminicídios. Em 2021, nenhum foi registrado. Os agressores incluídos no programa são conscientizados sobre os atos violentos e suas consequências.
A Patrulha, inclusive, vai a escolas do município para palestrar sobre o assunto com adolescentes. É uma faixa etária em que estão iniciando relacionamentos amorosos. Além disso, duas vilas da zona rural, Ponta de Pedras e Sororó receberam a ação que leva informação ao público do campo.
Acolhimento e vínculo com as vítimas
A GMM Valdemira Araújo, trabalha há pouco mais de 1 ano no primeiro atendimento na residência ou local solicitado pela vítima e relata como age para desenvolver o trabalho de proteção.
“A gente tenta criar um vínculo de confiança com a vítima, porque quando chegamos a pessoa tá massacrada, violentada e a farda já impõe um status de poder, então a gente tenta cativar a vítima. Explicamos sobre como funciona o serviço, não impondo regras, nem julgando, acusando, chegamos da forma mais leve possível. A gente encoraja, orienta sobre as medidas, mostra a realidade e que elas têm a segurança do lado delas”, explica a guarda municipal.
Vale enfatizar que a Patrulha só atua mediante Medida Protetiva expedida pelo juiz, normalmente em casos em que há maior risco e é observada maior necessidade. A ronda chega a acontecer até três vezes por dia na casa da vítima, dependendo do caso, baseado no histórico do autor e da vítima, gravidade da agressão, entre outros fatores.
No caso de descumprimento da Medida protetiva, um relatório é enviado imediatamente ao juiz da Vara da Violência Doméstica. Segundo Lemos, descumprir medidas protetivas podem gerar até 2 anos de prisão sem direito a fiança. Todas as visitas são registradas em planilhas e as informações são encaminhadas ao judiciário através da Vara da Violência contra a Mulher.
Outras entidades da rede
Na secretaria de Assistência Social, Proteção e Assuntos Comunitários (Seaspac), as ações acontecem para contribuir com o fortalecimento da rede de proteção.
“As campanhas, os debates, a rede de proteção fortalecida tem sensibilizado muito a comunidade e tem surtido efeito, mas sabemos que agressões físicas, e psicológicas são presentes, atendemos muito no Creas, na Coordenadoria da Mulher, então é um trabalho árduo e contínuo, e trabalhando também com homens para não reincidir na agressão”, informa a secretária Nadjalucia Oliveira.
O Conselho da Mulher (Comdim) é uma das entidades do município de apoio à mulher.
“Trabalhamos ações de orientação, prevenção, recebimento de denúncias e acompanhamento de políticas públicas voltadas para as mulheres e por fim, da violência contra a mulher.” pontua Priscila Veloso, presidente do Comdim.
Canais de denúncias
As denúncias de agressão contra a mulher podem ser feitas por qualquer pessoa, por meio do disque-denúncia (94) 3312-3350, Polícia Militar por meio do 190, ainda o 180 que é nacional atendido pela Polícia Civil, o Ministério Público, Delegacia da Mulher localizada no Bairro Amapá, Creas e Conselho da Mulher.
Texto: Leydiane Silva
Fotos: Paulo Sérgio