CAP: No Dia Mundial do Braille refletir sobre acessibilidade é importante
Ângela Santos tem 21 anos e nasceu cega. Aos cinco anos, por indicação de um tio deficiente auditivo, ela chegou ao Centro de Apoio Pedagógico e Atendimento Educacional Especializado ao Deficiente Visual Ignácio Batista Moura (CAP). Logo, teve contato e aprendeu o Braille, sistema de escrita tátil utilizado por pessoas cegas ou de baixa visão. Nesta quarta-feira, 4, é o Dia Mundial do Braille. A data é celebrada desde 2019 e busca conscientizar sobre a importância desta linguagem para a realização plena dos direitos humanos de pessoas com deficiência visual.
Por meio do CAP, Ângela foi inserida no ensino comum realizando as atividades do centro ao mesmo tempo. No CAP, foram mais de 12 anos participando até que concluiu o Ensino Médio e entrou na universidade.
“O CAP era uma segunda casa para mim. Eu cresci aqui. Eu cresci junto com o CAP”, comenta.
O Braille é um sistema formado por caracteres em relevo e foi aperfeiçoado no século XIX por Louis Braille, na França, que perdeu a visão durante a infância. É composto por seis pontos divididos em duas colunas verticais de três pontos. A partir das combinações de pontos surgem as letras, números e outros símbolos.
Chegou ao Brasil também no século XIX por meio de José Álvares de Azevedo, que era cego e foi estudar na França. Seu interesse pelo sistema de escrita para cegos fez com que trouxesse o braile para o país e conseguisse o apoio de Dom Pedro II para a difusão.
A data de nascimento de José Álvares de Azevedo, 8 de abril, é celebrada como o Dia Nacional do Braille no Brasil.
No CAP, teve acesso à revistas e diversos livros, entre eles a Bíblia, que sempre quis ler. “Eu tinha muita vontade, era um sonho meu ter o contato com a Bíblia. E aí aqui eu descobri que tinha. Não estava completa devido às mudanças, o CAP fazia muita mudança devido não ter um lugar fixo. E aí a gente acabou perdendo muitos livros da Bíblia, mas ainda assim eu comecei a ter aquele primeiro contato. Comecei com o livro de Lucas”, relembra.
Muito além do Braille, Ângela Santos reflete sobre a acessibilidade em seus diversos aspectos nos diferentes ambientes.
“É um desafio, é questionável. Lá fora é mais inacessível do que acessível. Infelizmente nós que temos que fazer nossa própria acessibilidade. Tanto que estou com dificuldade de sair de casa. Agora estou indo cantar em igrejas e, às vezes, nem todo mundo pode me acompanhar. Eu tenho que meter a cara na frente e ir mesmo sem a acessibilidade. A minha rua não é acessível para eu ir para a minha congregação sozinha, por exemplo”, avalia a jovem.
Para ela, além da escrita em Braille nos lugares, também é necessário pisos táteis e uma série de ações para garantir acessibilidade às pessoas com deficiência visual porque assim como o direito à informação e à leitura é garantido às pessoas que não têm deficiência visual, pessoas cegas e com baixa visão também têm o mesmo direito.
Atualmente, Ângela é vice-presidente da Associação de Deficientes Visuais de Marabá. Para ela, é uma luta constante tentar conscientizar as pessoas a respeito da importância de garantir o direito à acessibilidade para as pessoas que são deficientes visuais.
Por outro lado, aplicativos e softwares foram passos importantes da tecnologia que ajudaram bastante a complementar a leitura em Braille por meio do áudio, por exemplo.
Para Ângela, a luta continua e as pessoas com deficiência precisam a todo instante construir seus próprios espaços dentro da sociedade.
“Na verdade, eu não chamo nem de inclusão porque nós somos pessoas como qualquer outra. A única coisa que nos diferencia é não termos a visão. Lemos, falamos, sentimos, ouvimos, tocamos, como cada um, só que de maneiras diferentes. Infelizmente, muitas pessoas lá fora não conseguem, ou não entendem, ou não querem entender isso e nos tratam com uma certa diferença”, reitera.
O CAP atualmente atende cerca de 95 alunos. A maioria tem baixa visão. No centro, são realizadas atividades de acompanhamento pedagógico, atividades de vida diária, que auxiliam a pessoa a ter autonomia no dia a dia, orientação quanto à mobilidade e o ensino de Braille.
A maior parte dos estudantes são da rede municipal e as atividades acontecem sempre no contraturno das aulas no ensino comum.
O professor de Biologia Márcio Ribeiro trabalha no CAP desde 2009, tanto ministrando a disciplina, quanto na produção de materiais em Braille que auxiliam na aprendizagem.
Ele começou a trabalhar com Braille, como possibilidade de desafio, quando foi chamado por uma professora para ministrar aula de informática para uma pessoa cega. Na ocasião, um software auxiliou na aula. A partir da experiência, especializou-se em tecnologias assistivas, recursos educacionais voltados a pessoas com deficiência visual e começou a trabalhar no CAP.
Para o professor, o Braille é imprescindível para as pessoas deficientes visuais.
“Um leitor expande seus conhecimentos, ele é uma pessoa não mais culta do que a outra, mas ele consegue abstrair, compreender, traduzir o que ele quer. Ele consegue ser autônomo. Então, o Braille deu essa autonomia. Veja um cego entrando no elevador e vai ver aqueles pontinhos em Braille. Ele sabe para onde ele vai, onde quer ficar. Um cego pega um cardápio, ele sabe o que quer escolher sem o cara estar aqui do lado dele dizendo. É um divisor de água onde a leitura é a vida da pessoa com deficiência visual”, enfatiza o professor Márcio.
No centro há a produção tanto de matérias em Braille quanto de materiais táteis que auxiliam nas atividades pedagógica e também com fonte ampliada para as pessoas com baixa visão.
Para isso, o CAP adquiriu recentemente uma impressora de material tátil tridimensional.
Os estudantes recebem todo o material da rede municipal tanto em Braille quanto com fonte ampliada.
Outro serviço importante é a parceria com empresas, estabelecimentos e pessoas que queiram produzir materiais em Braille.
“Surgiu a necessidade de fazer a acessibilização não apenas dos recursos didáticos das escolas, dos alunos que estudavam aqui, mas também de pessoas com deficiência visual que não frequentavam e não conheciam o centro e queriam ter acesso a algum material em uma lanchonete, em algum hotel, essa coisa toda. Isso é prerrogativa legal”, afirma Márcio Ribeiro.
Recentemente, o professor, em parceira com estudantes do Instituto Federal do Pará (IFPA), criou um CapCell Braille, equipamento criado a partir de kit de robótica que traduz em Braille textos escritos em uma plataforma no computador. Quando a palavra é escrita, o equipamento aciona os pontos correspondentes às letras. É importante para quem quer aprender o sistema Braille.
O CAP é voltado para os estudantes da rede municipal de ensino mas também é aberto para pessoas deficientes visuais que queiram aprender sobre o braille e acessar as demais atividades do centro.
Texto: Ronaldo Palheta
Fotos: Paulo Sérgio