Semed: As estratégias da escola Jean Piaget, na zona rural, para estimular a leitura
Professores de várias escolas municipais se debruçam em elaborar estratégias para fortalecer a aprendizagem dos alunos. E a leitura é uma das mais importantes ferramentas para promover a reflexão, ajudando as crianças a formularem argumentos bem fundamentados.
A partir da pandemia, quando muitos estudantes ficaram em casa e se distanciaram do ambiente escolar, houve prejuízos acadêmicos incalculáveis. Com o retorno das aulas presenciais, os educadores montaram estratégias para recuperar o aprendizado.
Foi o que aconteceu na Escola Jean Piaget, na Vila Santa Fé, uma das comunidades rurais mais tradicionais de Marabá, a 70 km do centro da cidade. Lá, a sala de leitura transformou-se num espaço de protagonismo que encanta alunos, professores e gestores.
A escola Jean Piaget conta com 236 alunos do 1º ao 5º ano, além de outros 27 na escola Bom Jesus, que funciona como anexo. A coordenadora pedagógica Tânia Regina dos Santos explica que a sala de leitura já existia, e que ela mesma atuava no espaço em 2018, antes de tornar-se coordenadora, em 2019.
Foi nesse período que o espaço começou a ser fortalecido com a implantação do Projeto Restaurante “Hora Certa”. Quando Tânia assumiu a coordenação pedagógica, a professora Antônia Lopes Machado veio para a Jean Piaget as duas trabalharam em parceria e o cardápio do Hora Certa se diversificou, que passou a atrair ainda mais os estudantes.
“Quando a Antônia assumiu, a gente estava com um número muito grande de alunos que não sabiam nem ler. E aí a gente propôs o projeto do restaurante Hora Certa. Ele funcionava, a princípio, nos corredores da escola. Nas mesas, colocávamos as panelas com as sílabas, as palavras e as frases. Havia sopa de palavras e farofa de sílabas. Depois, a Antônia decidiu que ia centralizar o restaurante dentro da sala de leitura, que ficava melhor para conduzir, para não precisar guardar as panelas todos os dias. E deu muito certo. Ela continuou fazendo um cronograma de atendimento aos meninos uma hora por dia, e dividia cada turma em duas. Na primeira vinham os que conseguiam ler sílabas, depois os devolvia. No segundo grupo os que conseguiam ler frases e palavras. Fez isso muito bem e o restaurante fazia sucesso, até o dia em que Antônia se aposentou”, conta.
A professora Antônia, mesmo aposentada, continua visitando a Escola Jean Piaget, e recorda que seus 30 anos de trabalho na educação municipal foram prazerosos. A maior parte do tempo foi em sala de aula e a experiência com a sala de leitura ocorreu a partir da readaptação, devido a um problema de visão. Atuou nesse espaço de 2019 a 2022.
Na pandemia, ela ajudava a preparar conteúdos e enviava livros para as casas dos alunos, mas boa parte não retornava. Foi necessário desenvolver um projeto de resgate, para retomar as atividades na sala de leitura, com o Restaurante Hora Certa.
“Foi a professora Tânia quem idealizou o restaurante e eu comprei aquela ideia. Gostei demais. No início, no nosso planejamento, era para ela trabalhar junto comigo. Ela foi e, no final, eles não tiveram tempo mais de me ajudar, mas eu já tinha pego a experiência e continuei. Todos da escola nos ajudavam e os resultados começaram a aparecer”, relembra a professora Antônia.
Os alunos manipulavam as panelas, montavam palavras e iam construindo frases num balcão literário. Havia alunos de terceiro e quarto anos que nem juntavam sílabas, mas começaram a desenvolver. “Cada turma, conforme o nível, tinha um cardápio diferente. Inclusive, havia até feijoada também, torradinha”, recorda.
E depois que conseguiam ler frases e enunciados maiores, era hora de introduzir livros com maior complexidade. “Ajudamos muitos alunos a ler depois da pandemia”, orgulha-se Antônia.
Cilmara e a tecnologia
Com a aposentadoria de Antônia, a sala de leitura da Escola Jean Piaget ficou sem professor por alguns meses, até a lotação da professora Cilmara dos Santos Lopes Costeira, que ao chegar ao espaço precisou realizar uma nova organização, deixando a sala mais tecnológica ao implementar um aplicativo para ajudar na catalogação do acervo bibliográfico.
“Os próprios alunos já entenderam como funciona o sistema de empréstimo de livros e ajudam também a organizar os títulos de acordo com cores e prateleiras. Essas estantes estão divididas por seção: religiosa, literatura infantil, quadrinhos, entre outras”, explica.
Cilmara dos Santos diz que observa que não iniciou seu trabalho na sala de leitura a partir do restaurante de leitura porque não dominava bem o projeto. Ela acabou implantando outras estratégias, que também têm feito sucesso na escola. Muito do que implementou na sala de leitura da Escola Jean Piaget ela adaptou a partir de ideias que viu nas formações promovidas pela Semed (Secretaria Municipal de Educação).
“Gosto de trabalhar com jogos, porque acredito que a sala de leitura não pode ser igual à sala de aula. Ela tem que ter um diferencial, porque senão vai ficar uma coisa muito repetitiva, não vai chamar a atenção deles (alunos). Seguindo a mesma proposta do restaurante, eu faço atendimento semanal para cada turma, que tem um dia na semana para atendimento em nosso espaço. Aplicamos foco na leitura, realmente, para ver se a gente recupera o que se perdeu em dois anos de pandemia”.
Além de jogos com cartas construídos por ela mesma, Cilmara introduziu jogos digitais, utilizando um notebook e um projetor de vídeo. Ela utiliza um aplicativo ou apela ao Google, o que cativa a atenção e interesse dos estudantes. “Mas também tenho métodos mais artesanais, como uma roleta, que utilizo quando falta internet na escola. Então, tanto o manual quanto o digital são ferramentas importantes que nos ajudam a promover a leitura, inclusive com livros digitais, já que nosso acervo é um pouco reduzido”, observa.
Como incentivo para os alunos lerem, Cilmara promove um concurso para quem ler mais livros por mês. Os três primeiros colocados de cada série ganham presentes. Werique, do 5º ano B, leu 14 livros entre maio e junho e ficou em 1º lugar na mais recente premiação.
O teatro de fantoches ajuda os alunos mais tímidos na leitura a contarem aos colegas histórias que leram no período e acaba, também, desenvolvendo a interpretação. Ela mesma cria cada espaço, inclusive transformando colchão de sua casa em espaço de leitura, assim como um guarda roupa usado em palco para o teatro de fantoche.
Edivan Balbino Alves é diretor da Escola Jean Piaget há três anos e reconhece que a leitura e escrita são os principais desafios que os alunos enfrentam, tendo o problema sido agravado com a pandemia. “Estamos usando de todos os meios para diminuirmos o número de crianças ainda não alfabetizadas na escola. E a sala de leitura contribui muito porque se torna um atrativo para as crianças. Elas gostam de estar lá. E todos os dias há horários para atendimentos de forma organizada. Se temos avanços, é graças ao trabalho coletivo de todo o corpo docente”, garante o diretor.
Desafios da formação
Ao todo, há 109 salas de leitura em escolas da rede municipal de Marabá. Destas, 25 funcionam em estabelecimentos do campo, sob a gestão do programa Marabá Leitora, que em 2023 completa 10 anos de existência.
Maria do Socorro Camelo Souza, que trabalha na coordenação do Marabá Leitora, criado por meio de parceria entre as professoras Marluce Caetano (Semed), a professora Claudine e a professora Eliane Soares. “Esse programa tem sido relevante, porque além de incentivar a leitura, promove a ampliação de salas de leitura nas escolas”, explica Socorro.
Ela observa, também, que o Marabá Leitora cumpriu seu papel e fomentou a criação de muitos espaços de leitura nos primeiros anos, mobilizando professores e incentivando a contação de histórias, principalmente nas escolas urbanas. Mas, no campo, o número de escolas com essa iniciativa ainda era incipiente. “O projeto parou durante a pandemia, que coincidiu com a aposentadoria da professora Marluce. Foi retomado em 2022, com uma nova equipe para atuar na coordenação do Marabá Leitora. Eu fico responsável pelas escolas do campo”, diz Socorro.
Maria do Socorro diz que há vários outros exemplos de ações exitosas das salas de leitura em escolas do campo como o praticado na Jean Piaget. “Promover o encantamento pelos livros é um dos desafios do professor, mas não é o único. É preciso que colabore na aprendizagem e desenvolvimento da leitura. É pensando nisso que desenvolvemos diretrizes para orientar o trabalho do professor, para que ele tenha um documento guia”, enfatiza.
Opinião dos alunos
Os alunos da Escola Jean Piaget também demonstram o encantamento pelos livros e a paixão que vai nascendo pela leitura. É o que diz Caleb Alcântara Saraiva, 10 anos de idade, estudante do 5º ano, e morador da Vila Santa Fé. “Eu gosto muito de ler. Quando minha turma vem na sala de leitura, a professora pede pra gente pegar um livro e ler. Mas tem muito mais do que isso, a gente se diverte também”, afirma, relatando uma das histórias que mais gostou até aqui.
A opinião de Caleb é compartilhada pela colega Ana Julia Varão Brito, também de 10 anos de idade e aluna do 5º ano B. “Eu gosto de jogar bola e de pular corda, mas também gosto muito de ler. E agora, estou aprendendo a trabalhar com fantoche aqui na sala de leitura. Interpreto a Galinha Pintadinha”, revela.
Texto e fotos: Ulisses Pompeu (Semed)