FCCM: Ferrugem vira arte em exposição na Casa da Cultura
A experimentação faz parte do processo artístico do artista visual Bino Sousa. Na exposição Rendas de Ferro, o processo de oxidação de grades de ferro é utilizado como expressão da arte de Bino. Na mostra, que ocorre na Fundação Casa da Cultura de Marabá, o artista aproveita a ferrugem dessas grades para replicar o formato delas em tecidos.
Bino Sousa explica que começou a pesquisar sobre as grades em 2014, como algo representativo dos ciclos migratórios ao longo da história de Marabá. Segundo ele, o inchaço populacional e o crescimento da cidade influíram diretamente nos índices de violência e a grade representa a proteção utilizada em muitas casas.
“Então eu busquei algo que fale sobre a violência e, ao mesmo tempo, não seja a própria violência. Aí a grade aparece nesse momento porque é um objeto esteticamente bonito, traz essa representação de segurança e violência, mas ao mesmo tempo tem essa beleza e é aí que começo a me apropriar dela”, relata o artista.
As experimentações de Bino Sousa com a oxidação começaram em 2015 com a exposição “Deterioração”, que foi o pontapé para novos experimentos. As grades são conseguidas em ferros velhos e sucatarias e depois os resíduos de tinta são retirados para que o objeto possa enferrujar naturalmente. Com a ferrugem, o contorno das dobras da grade fica marcado no tecido. Em algumas peças há a impressão de que são fotos analógicas de tão perfeitas as marcas.
Para a exposição Rendas de Ferro, o artista contou com apoio na montagem de outro artista visual, Alexandre dos Santos Filho, conhecido artisticamente como Alixa.
“Eu coloco uma espuma embaixo, depois o tecido e a grade por cima. Com o tecido úmido, basta deixar uma ou duas semanas para que a grade enferruje, mas também faço a aceleração da oxidação com limão, vinagre e sal”, explica Bino Sousa.
A hipótese do artista é que as grades, no estilo das utilizadas em sua obra, com dobras em formato de flores ou coração, por exemplo, surgem baseadas a partir das grades forjadas vindas da Europa e utilizadas em palacetes históricos, encomendadas por pessoas com menor poder aquisitivo.
Segundo Bino Sousa, o foco de sua obra é atrair a atenção para a grade, um objeto de ferro que ainda é produzido, mas que já está perdendo espaço. Para ele, as pessoas deixaram de produzir grades nesse formato pelo trabalho que dá realizar as dobras. Mas além disso, há outro ponto que o artista quer fazer as pessoas refletirem.
“Nós vivemos em uma região onde é extraído o minério de ferro. Esse minério dá uma volta lá longe e depois volta pra ser beneficiado aqui com o valor lá em cima. Para mim, como artista visual, me apropriar de um objeto de ferro no lugar onde é extraído o minério é interessante. Que as pessoas olhem para a grade porque é um registro histórico, faz parte da arquitetura da cidade, mas está deixando de existir. Você ainda encontra grades assim na periferia, mas nos bairros mais nobres pouquíssimo já se tem”, observa o artista visual.
As experimentações vão continuar. O artista já tem novas ideias envolvendo o objeto, a sobreposição, a criação de novos desenhos e intervenção urbana. A exposição aconteceu com o incentivo conquistado pelo artista por meio do edital municipal da Lei Aldir Blanc. Ele destaca a importância desse fomento à cultura no momento atual.
“É muito importante para os artistas porque permite que a gente faça essa produção, seja para o artista que comercializa seu trabalho quanto para artistas que fazem seu trabalho para apresentação e exposição. Eu acredito que foi essencial nesse momento porque eu pude experimentar. Esse recurso que vem, por meio de lei, serve para isso, para investir em algo que não estamos podendo”, pontua.
Para o presidente da FCCM, Marlon Prado, a fundação cumpre com seu papel de fomentadora cultural e segue com o apoio aos artistas em meio à pandemia atual.
“A FCCM sempre apoiou e teve essa relação com os artistas. O nosso museu tem um espaço para exposições temporárias justamente para incentiva, valorizar e ser um espaço alternativo para os artistas que o queiram utilizar. E atualmente, com a exposição do Bino Sousa, ao ar livre que, nesse momento de pandemia, vem a calhar para recebermos um público maior”, reitera.
Para o artista visual Bino Sousa, o contato com a arte tira as pessoas do lugar comum do dia a dia, seja com uma música que leva a uma lembrança. “Toda vez que a arte provoca essa sensação, a gente cumpre nosso papel de artista, fazer algo diferente. Eu gosto de pensar a arte dessa forma, como algo afetivo”, finaliza.
Serviço
A exposição segue até a próxima sexta-feira aberta ao público, na sede da Fundação Casa da Cultura de Marabá, das 8h às 18h.
Texto: Ronaldo Palheta
Fotos: Aline Nascimento