Mab 110: Marabaenses ilustres que divulgam a cultura da terra de Francisco Coelho por onde passam
Mestre Zequinha canta suas músicas em linguagem amazônica e apresentou-se em palcos americanos onde passaram grandes estrelas como Michael Jackson, Elvis Presley e Frank Sinatra
Marabá é uma terra que respira cultura e arte, em especial, no bairro onde sua história começou: Francisco Coelho, que leva o nome de um dos fundadores do município. Nesses 110 anos de emancipação política, é sem sombras de dúvidas, um dos símbolos vivos da cidade. É lá que está grande parte dos moradores antigos ou descendentes, mas é também onde há belas paisagens desenhadas pela própria natureza, como o encontro dos Rios Itacaiunas e Tocantins.
No bairro ainda é possível contemplar um pôr do sol diferenciado, sem falar das intervenções humanas, como seus varais, hoje substituídos pelas grades de proteção da Orla, característica forte do povo ribeirinho e das lavadeiras de roupa. O bairro é guardião de prédios históricos, a exemplo da Biblioteca Municipal Orlando Lobo, onde um dia funcionou o principal mercado do município.
“Com o passar dos anos, o centro deixou de ter a força comercial porque outras formas de comércio surgiram e essa área ficou um Marabá a parte. Um lugar onde as pessoas tinham medo de andar, até que o Governo Federal fez uma Lei de verbas para criação de Bibliotecas Públicas para os municípios e o prefeito Tião Miranda assinou o convênio e escolheram aqui, para revitalizar e conservar esse patrimônio público. Havia também um grupo de artistas, poetas, escritores, músicos, muito forte, que se mobilizava aqui na frente, querendo o local como centro cultural, o que de fato aconteceu, porque a Biblioteca não é só um espaço que se guarda livros, é um prédio vivo, tem vida própria, fala sozinho, conversa sozinho. Um local onde os artistas gostam de estar para fazer seus projetos”, descreve Evilângela Lima, coordenadora da Biblioteca.
Terra inspiradora para artistas
O ar respirado na terra de Chico, certamente serviu de inspiração para o surgimento de tantas personalidades e talentos. José de Jesus Marques de Souza, o Mestre Zequinha, cantor e compositor de renome, correu quando criança por aquelas ruas e foi aonde fez os primeiros acordes, sob o olhar da mãe Maria Marcos, numa viola de buriti, feita pelo pai Raimundo Rodrigues. Aquele menino que viu a cultura marabaense formar-se a partir da mesclagem dos migrantes, bebeu e alimentou-se tanto da fonte, que a partir daí fez belas poesias e canções. Em suas músicas faz referência à própria história, à Marabá e também à região.
“Em 91, comecei a compor. Até aí não compunha música nenhuma, mas eu tinha aquela vontade de ser um compositor, uma pessoa as aspirações, o que vinha e achava que era muito demorado para escrever um livro. A música é mais rápida porque ela consegue a atenção rápida e a expansão também. Entrei nos projetos culturais, viajamos por diversos países, vendo a cultura dos outros para aprender e ensinar também. E achei muito importante porque a cultura amazônica é muito rica, muito forte”, enfatiza.
Um recorte da história, feito pelo músico, é a visão do comerciante Francisco Coelho ao construir o barraco dele com a frente dos rios. Era um movimento intenso com pessoas chegando e saindo o tempo todo. Os relatos ouvidos em casa e durante as atividades de pesca, dentre outras ribeirinhas que ele aprendeu a exercer, transformam-se em melodias, assim como as lembranças de sua vivência. Acredita que na confluência dos rios, entre as brincadeiras da época, os pais se conheceram e essa relação entre Marabá e a sua origem, é contada por uma de suas canções. Vale destacar, que a aprendizagem escolar e a propensão artística foram se desenvolvendo desde os ensinos da professora Alecrides Bandeira.
“Principalmente na área da cultura, como fazer, recitar versos! Ela me ensinou realmente o bê-a-bá a escrever, a ler. Ainda era no tempo do bolinho, da palmatória, o número, algarismo naquele papelzinho rasgado tinha que saber da tabuada. Aí me ensinou como se portar num palco pra fazer um papel de encenação, ou seja, aquele drama escolar. Ela sabia de todas essas coisas”, relembra.
Voltando a história, Zequinha aprendeu a tocar violão sozinho, um autodidata na música. Teve contato com grandes nomes, como o músico Manduquinha e o professor Moisés. Com aptidão seguiu caminho, daí por diante é o que o povo marabaense já conhece: participação em musicais, festivais e grupos como Os Brasa, além da carreira solo, com foco no resgate à cultura.
“ A Amazônia tem muito a nos ensinar, as contações de histórias, os projetos mesmo culturais, a vida nas aldeias, nas comunidades quilombolas que a gente andou. Para mim, um marabaense, me faltam palavras pra elogiar tanta coisa, tanta beleza. O que eu faço na música é um pouco do que eu consigo expressar. Eu não vou ficar com isso só pra mim, eu tenho que deixar um dia esse legado para os filhos, para os netos, para as pessoas que me veem como artista e eu chamei essa responsabilidade”.
O artista lembra que ao lado do amigo gaulês Dom Baron, idealizador do projeto Rios de Encontro, chegou a fazer palestras em 28 escolas americanas, em 2015, onde se apresentou no Worldstar, em Nova York. Cantou suas músicas em linguagem amazônica para os magnatas internacionais.
“Como músico foi um desafio que valeu a pena porque eu estava ali num palco, onde passaram grandes estrelas como Michael Jackson, Elvis Presley, Frank Sinatra, eu não estava ali, acho que eu estava suspenso…[sorri] . E o Cabelo Seco representa o começo de tudo. Começo da cidade, o começo do Zequinha como artista, como pessoa. Hoje como em todo lugar, de toda grande cidade, é um lugar rústico, tem planos, pessoas que discutem, tem área vermelha, isso e aquilo, mas isso vai se digerindo aí com a cultura, com os saberes. Com as pessoas que vão mudando o seu hábito. Antes era só índio e índio brabo, que foram expulsos pro Xingu”, ressalta.
Texto: Leydiane Silva
Fotos: Sara Lopes