Professor Fora de Série: A diferença na vida do próximo por meio da Educação
A história da professora Maria Lourdes Rodrigues dos Santos, 60 anos, é marcada por muitos desafios, conquistas, amor e contribuição social. A educadora que tem mais de 28 anos de funcionalismo público e uma trajetória social apreciável, teve uma das maiores realizações da vida há 12 anos, quando entrou pela primeira vez em uma sala de aula para exercer a pedagogia com as crianças.
A professora Lourdes ingressou como pedagoga na Prefeitura de Marabá, em 2012, após ter sido aprovada no concurso. Mas antes de assumir turmas em uma escola, a educadora teve uma longa jornada. Passou pela a secretaria de Planejamento, atuando no Conselho Municipal de Transporte, inclusive como presidente por dois mandatos.
Em 2000 foi aprovada no concurso público como agente de trânsito, chefiando o departamento de Educação para o Trânsito, no DMTU. Em 2006, foi cedida para a Diocese de Marabá onde coordenou o “Projeto Você”. na comunidade Santa Luzia, no Bairro Belo Horizonte.
Mesmo formada em pedagogia, na turma de 1998, pela UFPA, a docência só aconteceu mesmo em 2013, no Núcleo de Educação Infantil Henrique Campos Santos, no bairro Bela Vista, onde Lourdes é gestora há dois anos e também de onde se despedirá nos próximos dias, com a chegada da aposentadoria.
“A educação é depois de Deus, o bem maior que uma pessoa pode ter. Uma pessoa educada, digo, com conhecimento intelectual e valores morais independe da sua condição social ou financeira, é sempre uma pessoa feliz”, pontua a professora.
Escolha da profissão
Predestinada a ser professora, o ofício de Maria Lourdes começou ainda na infância, no interior do Ceará, ajudando uma tia, que foi a primeira professora dela e a única do local naquela época. Foi em uma turma multisseriada que Lourdes ajudava nas tarefas dos alunos, dentre eles os irmãos e primos.
“E aí ela me chamava de professorinha e eu fui colocando isso na minha cabeça, que eu queria ser professora. Mas aí na vida nem sempre a gente faz tudo o que quer, na hora que a gente quer, do jeito que a gente quer. Minha vida deu umas guinadas. Mas não desisti de ser professora, porém só ingressei na faculdade em 1997, com 37 anos. Dei aulas em Centro de Formação de Condutores, Obra Kolping, e até em cursos pré-vestibulares, isso tudo antes de ir para a rede municipal de educação”, comenta a docente.
Antes de entrar na sala de aula Lourdes atuou ainda como coordenadora pedagógica, na escola João Anastácio de Queiroz, por 6 meses, e depois na escola Martinho Mota, coordenando o programa Mais Educação.
A realização profissional com a experiência em sala de aula
“Fui pra sala de aula com alunos do Jardim II, foi aí quando eu realmente me realizei como professora. Foram os anos mais felizes da minha vida. Porque é bom demais ser professora [se emociona]”, relata Lourdes sobre o primeiro contato com os seus alunos.
O relato de Lourdes é cheio de emoção porque ela escolheu cumprir o papel de educadora no sentido mais amplo que pôde. Cumpriu a função social não só como professora, mas como ser humano. A motivação para tanta dedicação é ainda mais valorosa.
“Ser o acréscimo para os alunos. É isso que eu sempre quis ser. Porque aqui nesse bairro, não sei das outras realidades, a gente tem muitos alunos em situação de risco, de vulnerabilidade. E quando você faz uma coisa, por mais simples que seja, significa algo a mais pra ele. Um abraço, um olhar, um brinquedo de sucata, uma canção, uma merenda no dia que ele chega com fome. Uma roupa no dia em que ele vem com a roupa rasgada. Então, esse olhar, cuidar dessa criança, educar essa criança, com atitudes práticas, isso faz a diferença, isso é um acréscimo na vida deles”, enfatiza com serenidade a professora.
Atuando na Educação Infantil, a paixão da professora Lourdes só crescia a cada turma nova. Ela detalha os cuidados com a organização da sala, dos materiais e da dinâmica para receber as crianças. “Amava ensiná-los e educá-los com rotinas práticas, concretas, alegres, movimentadas e diversificadas. Então era isso, eu gostava de rolar no chão com eles. Minha sala tinha tapete, tinha brinquedo de sucata, eu levava som, um monte de coisa, porque eu nunca quis ser da mesmice. Acho que dá pra você fazer as coisas com criatividade e fazer diferente”, detalha a educadora.
Exercendo a função social: o caso marcante de um ex-aluno
Dentre tantas sementes plantadas na vida de cada criança confiada à professora Lourdes, uma em especial marcou a trajetória no NEI Henrique Campos Sales.
“Meus alunos eram de 5 anos. E lembro de um determinado aluno que sempre chegava atrasado, sujo e com fome. Ele sempre chorava no final da aula. Aquilo foi me angustiando. Após uma sondagem constatamos uma realidade a qual nos deixou muito triste. Situação de vulnerabilidade. Ele morava num barracão, sua mãe era usuária de drogas e o pai alcoólatra. O motivo do choro era que a família não buscava ele ao término da aula, era sempre posterior”, relembra.
Decidida a lutar pelo o desenvolvimento e felicidade do aluno, a professora junto à gestão da escola, fez intervenções, até por meios legais, e os resultados foram gratificantes.
“Ele era muito carente, com sérias deficiências no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Após essa constatação foi realizado alguns procedimentos. Num determinado dia o seu pai veio buscá-lo no horário certo. Ele pulou de alegria e falou repetidas vezes: meu pai, meu pai. O pai parou de beber por um tempo. Consequentemente percebemos uma grande evolução no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Concluiu o ano silábico. Esse foi um caso. Existem outros, mas esse sempre me emociona”, destaca.
Missão ampliada na escola
Em 2018, Lourdes decidiu aceitar a gestão do NEI Henrique. O que pesou na decisão foi a oportunidade de fazer algo diferente, ser o acréscimo, para um maior número de alunos de uma só vez.
“Procurei ser uma gestora presente na vida dos alunos e dos colegas. Irei lembrar sempre com carinho do horário da entrada e saídas das crianças, do horário do recreio, das inúmeras festas realizadas com eles na escola e fora da escola (os passeios, o desfile do 7 de setembro), o banho de mangueira, etc”, afirma.
Sobre a educação e os projetos para o futuro, adivinha?! A pedagogia continua presente, mas desta vez com pessoas ainda mais especiais, os pais idosos.
“Sou muito feliz e agradecida a Deus pela oportunidade de poder ser um acréscimo da vida de alguém, poder ajudar o próximo me faz muito bem. Saio com uma sensação de dever cumprido. A minha única tristeza é não poder me despedir das minhas crianças. Meu próximo projeto de vida já está em andamento e irei me dedicar de forma integral a cuidar da vida dos meus queridos pais”, conclui Lourdes.
A lembrança doce do ex-aluno de 9 anos de idade
Por ter exercido a docência somente na Educação Infantil, e por apenas 5 anos em sala de aula, os ex-alunos da professora Lourdes no máximo estão entrando na pré-adolescência. Um deles é Neemias de Almeida Ferreira, de 9 anos. O menino que atualmente estuda o 4º ano guarda boas lembranças da professora do jardim.
“Ela era engraçada, passava tarefas muito boas. Eu gostava de escrever. Aprendi a ler e a escrever. Ela passava musiquinhas, brincadeiras. Eu me lembro do “vivo e morto”. Ela abraçava e quando a gente tava bagunçando ela brigava. Fez muitas coisas por mim. Quando eu me machucava, ela me levava para a diretoria para cuidar de mim. Ela foi muito carinhosa comigo”, conta o ex-aluno.
Texto: Leydiane Silva
Fotos: Aline Nascimento
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