Educação: Alunas da EJA vencem categorias de poema e crônica do 5º concurso de desenho e redação da Semed
O sorriso largo no rosto de Francerly tem o mesmo motivo dos olhos marejados de Elizanilde. As duas alunas da Escola Pedro Peres Fontenelle, localizada no Núcleo Morada Nova, levaram o primeiro lugar no Concurso de Desenho e Redação deste ano, o ConRede, realizado pela Secretaria Municipal de Educação (Semed). O resultado trouxe uma grande sensação de dever cumprido para a coordenadora pedagógica Nilza de Jesus, que atua há 5 anos no segmento de Educação de Jovens e Adultos (EJA), no qual as duas alunas vencedoras estudam. Para ela, o mais desafiador é mudar alguns pensamentos sobre incapacidade, principalmente entre os alunos EJA, e mostrar as possibilidades de ter êxito.
“Nós atendemos um público de jovens, adultos e idosos que vêm para a escola com estigma de que eles não são capazes, e essa desvalorização que eles têm na mente é interpretada como incapacidade. Por isso, a nossa primeira coisa é desconstruir isso, é dizer que eles são capazes, e que a escola está aqui para poder apoiá-los, como a agência principal de letramento que ela é. Acredito que isso foi um dos pontos que facilitou para que essa produção chegasse a esse nível de vencedor de um concurso de redação”, afirma a coordenadora.
Realizado exclusivamente em toda a Rede Municipal de Ensino da Semed, o ConRede é um concurso que busca premiar as melhores produções de desenho e textos em alguns gêneros como poema, memória e crônica. A Coordenadora do Programa Marabá Leitora, Edileide Patrícia, explica sobre os processos que envolvem a iniciativa.
“Após reunião com todos os gestores das escolas, é lançado um edital, geralmente no mês de março, com uma série de regras de desenhos e de produção textual. Os desenhos abrangem da Educação Infantil ao 3º ano, já os 4º e 5º anos ficam com os textos em forma de poema. 6º e 7º, memórias, e por fim, o gênero crônica, para 8º e 9º anos. No ano que há as Olimpíadas de Língua Portuguesa, os textos também concorrem para elas, e o tema normalmente é o mesmo”, explica.
Além disso, os professores envolvidos recebem formações junto à Semed, com o objetivo de preparar o aluno, e aperfeiçoá-lo na fonetização, pontuação, acentuação e domínio do gênero textual, por exemplo.
O ensino EJA é dividido atualmente em dois segmentos: Etapa, que corresponde de 1º a 5º; e o Ensino Personalizado, abrangendo as turmas de 6º ao 9º ano. Cada segmento concorre a um gênero diferente. Este ano, a etapa ficou com a poesia, enquanto o segundo segmento se dedicou ao gênero crônica. Segundo a coordenadora Nilza, 43 alunos EJA da Escola Pedro Fontenelle participaram do concurso.
“As nossas educadoras, como as professoras Renata e Aldiceia, fizeram brilhantemente esse trabalho de intervenção, de idas e vindas no texto, de mostrar para esses alunos que a escrita não é algo que é espontâneo, na qual eu vou lá e escrevo e de uma primeira rodada já está pronto, não é. Esse texto precisa ser amadurecido, revisitado, ressignificado, etc. E esse movimento a gente teve, graças às professoras. A aluna Elizanilde, do segmento etapa, trouxe elementos da história dela e do dia a dia, algo muito espontâneo e peculiar da vida dela. A Francerly já traz um relato do do dia a dia também, a crônica, algo que a gente pode considerar casual. Mas o que envolve no texto, que chama atenção das duas, é porque elas conseguem colocar, de forma poética, algo do dia a dia, do cotidiano delas. E elas foram muito bem”, retrata a coordenadora.
As vencedoras
Natural do Estado do Maranhão, Elizanilde Alves tem 43 anos e atualmente é dona de casa. Mudou-se para Marabá com 15 anos. De lá para cá, só decidiu ter contato novamente com a sala de aula em 2022, quando, por acaso, ao comparecer à escola para resolver problemas do filho, logo foi convidada por uma professora para se matricular na EJA e voltar aos estudos.
“Eu até disse, não, hoje não. Mas ela insistiu, que eu decidi ficar logo aqui. Só fui para casa depois que terminou a aula. Aí eu nunca parei mais, graças a Deus, nem vou parar”, revela a aluna vencedora.
Elizanilde conta que o suporte da professora foi fundamental para que a produção obtivesse êxito e levasse o primeiro lugar na categoria poesia.
“A professora explicou para gente falar sobre o bairro em que a gente morava. Daí a gente começou a iniciar um trabalho baseado no meu dia a dia, que eu tenho. A professora Renata me ajudou muito, desde o começo até o final, como nas rimas, nas palavras e sempre eu perguntava a ela tudo o que eu precisava saber para melhorar o poema. E esse processo foi fazendo com que o texto melhorasse cada vez mais, até chegar a esse resultado”, ressalta
A aluna revela que foi uma sensação única e inesquecível ao receber, da professora, a notícia do resultado. “Eu fiquei paralisada quando recebi a notícia da professora. Foi uma satisfação tão grande, porque eu nunca nem pensei em ganhar. Mas agora eu quero ganhar mais vezes, para trazer esse mérito à minha escola”, expressa Elizanilde, com os olhos marejados.
A mesma sensação foi vivida pela vencedora do gênero Crônica. A dona de casa Francerly de Almeida tem 33 anos, é natural de Morada Nova e expõe que foi um desafio participar deste concurso, depois de muito tempo afastada da sala de aula.
“Quando a professora fez o anúncio deste concurso, a gente foi meio pega de surpresa. Porém ela nos preparou. A princípio, eu quis desistir porque achei algo terrivelmente difícil pra mim, por muito tempo ter me afastado da escola, da escrita e da gramática. Mas teve todo um preparo durante o processo. Foi algo que, com a ajuda dela e de outros professores, nós conseguimos entregar”, apresenta.
O texto, segundo a Francerly, aborda uma história fictícia, criada em sala de aula, de um casal, onde o marido tinha um amigo que não era bem-vindo para a esposa, pelo fato do mesmo ser inconveniente no meio da relação. A trama concluiu-se com o afastamento do personagem amigo. Mas para a estudante, mesmo prazeroso, não foi fácil chegar ao resultado final. A ajuda das professoras se fez essencial nessa trajetória.
“Sempre quando eu tinha uma dúvida em relação a algum nome, história, vírgula, enfim, eu recebia ajuda das professoras, principalmente a professora Auricélia, que me preparou e orientou durante todo o processo”, enfatiza.
Francerly narra que a surpresa foi grande ao receber o resultado positivo. “Foi inimaginável e uma honra ter ganhado a primeira colocação neste concurso. Foi um desafio para mim, como aluna. Estou me sentindo privilegiada de trazer essa vitória pra nossa escola, juntamente com as professoras”, relata a aluna campeã.
“Esse concurso é muito includente, pois abrange todos os segmentos da educação do município, além de quebrar os preconceitos e mostrar que é possível o aluno ser escritor. E a escola, como agência principal de letramento, têm que trabalhar esse contato do aluno com a leitura e a escrita. E em termos de país, temos poucos escritores. E quando esse aluno aceita esse desafio de ir para o mundo da escrita, para nós é de suma importância, principalmente quando é um aluno EJA, os quais precisam de um cuidado, vínculo, pois são um público muito fácil de perdermos”, conclui a coordenadora Nilza, cheia de orgulho e entusiasmo.
Texto: Sávio Calvo
Fotos: Sara Lopes / Divulgação